Cotidiano

Cotidiano
Meus dias são lentos e calmos
São leves e quentes
Pedaços de mim se espalham pelas ruas
Quase sempre morro atropelado
Quase sempre morro e por quase sempre morrer ainda estou vivo

Um passo longo logo atrás do outro
Na pressa me apresso e me atraso
Corro e chego cansado, mas chego
Estudo e escrevo até dar calos nos dedos
Meu medo é não agüentar, meu medo é não conseguir passar no vestibular

Persistência me persegue
Durmo e acordo logo em seguida
Limpo minha pele e minha alma tomando banho de rio
Tento entender a filosofia e adoto uma nova ideologia
Vegetarianismo, budismo, cabala, cristianismo, catolicismo
Cismo que quero seguir uma vida sem incertezas
Medito, edito cada pedaço de mim
Chego-me no fim, que nada esse é o começo
Esqueço-me por uns instantes
Faço o que faria a Madonna, a Patrícia Carvalho-Oliveira ou o Bil Guets
Que tosco, recupero minha personalidade
Pinto o cabelo, faço as unhas
Curto meus dias de vaidade
Alguns dias de felicidade que me restam

Sinto-me pequeno, infantil, depois a sensação de saudades da infância passa
Volto para meu eixo, e cresce mais um pêlo na barba
Assim percebo que a cada dia cresço e desapareço da vida das pessoas queridas
Por falta de tempo, na verdade sempre existe tempo.
O que mais existe é a metade da preguiça que impregna

Vou andando por essas ruas de tiroteio da favela
Entrando num beco e saindo na viela
Vou andando com meus pés calçados de sapatos coloridos
Vou falando sozinho pra não ficar tímido
Vou atuando nas pequenas oportunidades de evento
Vou estudando desde já a comunicação
O rádio, a televisão, o público e o porquê das palmas, das vaias e dos tomates também
Dirijo minha vida, sou solo, tenho um monólogo real
Vou calibrando minha moto, meu carro e meu helicóptero
Mesmo sabendo que brinquedo é fantasia
Mesmo sabendo que criança fui um dia
E desse dia não me esqueço
Quero sorrir e chorar
Quero me interpor de noite entre papai e mamãe
E ao amanhecer tomar mingau na mamadeira
Sou eterna criança e pra sempre irei brincar.