Olho Mágico.
- Puta que o pariu Marcos, o Heleno tá lá embaixo. Estacionou o carro na porta do prédio e tá olhando pra cá. Me viu quando fui fumar um cigarro.
Eu estava no banheiro tentando relaxar um pouco. Liguei o chuveiro e deixei a água batendo no chão. Isso sempre me acalma. Fiquei mirando a marca vermelha que meus cotovelos formaram nas coxas enquanto os apoiava com a cabeça baixa tentando me concentrar em alguma coisa. O Álcool misturado ao ecstasy me mantinha distante, quase não entendia o que ela falava.
- Eu fechei a cortina.
Fiquei espiando pelo canto da janela. Ele não tira os olhos daqui!!!!
Meus olhos estavam bem esbugalhados. O final da onda é escroto, dá uma angústia fodida no peito. Aperta forte bem na altura do esterno. Certa vez quando fui a uma terapeuta dessas que trabalham com conhecimentos alternativos, música, cores, florais, ela me disse que quando estivesse ansioso ou angustiado que fosse para dentro d’água.
- Marcos, tá tudo bem ai dentro?
Tá tudo bem com você meu amor?
Ouvia a voz dela em ecos e respondi sem pensar no que estava dizendo, no piloto automático, que sim, estava tudo bem. Minha cabeça pulsava, sensação de merda e paz ao mesmo tempo.
- Marcos, o Heleno tá aqui na frente do prédio!!!
Acho que ele sabe que você está aqui comigo.
Milhares de imagens ganhavam formas em minha mente. Eu não queria fazer qualquer movimento, apenas ouvir o barulho da água batendo no chão. Era um chuveiro forte, desses de sauna. A água descia e espatifava como chuva no telhado em dias de temporal.
- Caralho Marcos, abre essa porta, porra, tá tudo bem ai dentro????
Comecei a controlar minha respiração com o intuito de encontrar forças para levantar. Lembrei do meu professor de Ioga ordenando que inspirasse e expirasse o ar bem devagar para retornar de onde estava. Respirei profundo e num só impulso levantei minha cabeça e segui com o corpo acompanhando o movimento. Fui até a pia, mirei por alguns segundos minhas pupilas. Estavam ainda completamente dilatadas. Joguei água fria no rosto. A temperatura da água ao encontrar meu corpo febril me deu arrepios. Já estava na fase dos calafrios.
O barulho do interfone puxou minha atenção. Barulhos sempre chamam mais atenção quando estamos nesse estado de expansão da mente. Os gritos dela com o porteiro para não permitir a entrada do indivíduo mostravam claramente seu desespero.
Depois fiquei sabendo que Heleno havia esmurrado a cara do porteiro quando o coitado tentou impedir que ele entrasse na portaria do prédio.
Heleno era um filho da puta, ex-policial expulso da corporação com uma ficha gigantesca de crimes e merdas que espalhou nos quatro anos que vivera como sargento da Pm. Alcoólatra, viciado em cocaína, andava armado e espancava Mariane sempre que entrava em alguma paranóia estúpida provocada pelos excessos.
Mariane é bonita e sedutora, filha de pais ricos, estudante de medicina, conheceu o infeliz num plantão de um hospital público quando ele chegou carregando o corpo de um vagabundo que já estava praticamente morto. Não sei por que diabos foi se interessar por esse imbecil.
- Marcos, caralho, não está ouvindo o barulho não???
Porra, o Heleno tá esmurrando a porta.
Eu não estava ouvindo nada além da água que caia do chuveiro e sua voz de choro bem distante. Pedi calma, vesti a calça e abri a porta. Ela me abraçou tremendo.
- Caralho, ele vai matar a gente se entrar por aquela porta.
Realmente me dei conta do barulho. Seus murros na porta eram ensurdecedores.
O dia estava amanhecendo, mas o prédio era uma construção recente. Mariane era uma das poucas moradoras. Se mudara para lá não fazia tanto tempo assim.
- O que nós vamos fazer ????
Eu não tinha certeza de nada, apenas uma leve tranquilidade totalmente estranha naquele momento. Mais uma vez pedi calma e fomos para o quarto. Mariane ainda estava linda, com os olhos borrados de preto, o cabelo todo desarrumado, e um pavor encantador em suas expressões que reluzia com a luz laranja do sol que invadia o quarto por uma pequena greta entre a parede e a cortina.
Heleno continuava esmurrando a porta e ameaçando arrombá-la. Transtornado, completamente transtornado, como pude observar quando o vi andando de um lado para o outro pelo olho mágico.
Se ele entrar aqui estamos fodidos, disse ela já completamente entregue ao pânico.
Vou ligar para a polícia, bradou para o imbecil do outro lado da porta e recebeu como troco um murro ainda mais forte na porta, talvez um pontapé.
- Estou ligando para polícia seu merda, some daqui.
Eu ainda estava pensando em algo que pudesse fazer para ajudar a amenizar a situação.
- Caralho, o telefone da polícia está em chamada de espera.
Ela colocou o telefone no viva voz e uma secretária eletrônica repetia que havíamos ligado para a Polícia Militar e que todas as linhas estavam ocupadas no momento.
Heleno foi surpreendido por dois seguranças da rua.
O Porteiro depois de se recuperar da surra passou um rádio e acionou os caras que subiram até o andar onde estávamos para tentar contê-lo.
- Porra de Polícia Militar de merda, quando a gente precisa onde eles estão?????
Acompanhei pelo olho mágico a briga entre os três, até que conseguiram colocá-lo no elevador. Mariane continuava apavorada, cada vez mais, com o telefone nas mãos e aos berros quando tentei acalmá-la dizendo que já haviam levado Heleno.
Olhamos pela fresta da cortina e vimos quando os seguranças o colocaram debaixo de porrada para fora do prédio. A esta altura os poucos vizinhos acompanhavam a cena de suas sacadas.
Heleno entrou no carro e saiu cantando pneu. Mariane desligou o telefone sem ser atendida pela Polícia e caiu num pranto aterrorizante. De alguma maneira aquele pavor e aquela fragilidade me deram tesão. Meu pau ficou duro novamente e a peguei pelos braços com força. Fomos para a cama e fizemos amor enquanto ela gemia e chorava num transe entre o prazer e o medo. Estávamos muito loucos. Dormimos nus, exaustos e melados de gozo e suor.
Mariane me acordou por volta das 16 horas de banho tomado e com cara de preocupação. Ainda estava sonolento e morrendo de dor de cabeça. Fui para o banheiro mijar e voltei com o rosto lavado e com um pouco de pasta de dente na boca para tirar o gosto ruim do despertar e o mau hálito.
- Marcos, ele vai voltar.
Ele não vai me deixar em paz. Conheço esse filho da puta.
Apenas observava Mariane despejando todas as palavras e seu passado com o imbecil enquanto me vestia para voltar para casa.
- Você vai embora?
Vai me deixar aqui sozinha?
Eu precisava voltar em casa. Meu gato estava sem comida e sem água há dois dias.
- Me leva com você?
Não me deixa aqui porra e se esse filho da puta voltar?
Eu precisava terminar duas obras para entregar na segunda feira. Meu material estava acabando. Queria ficar um pouco sozinho e pensar numa solução para essa merda toda. Por outro lado me preocupava deixar Mariane sozinha. O psico poderia de fato voltar a qualquer momento. Pedi a ela que me aguardasse e não atendesse o telefone, nem interfone e nem abrisse a porta para ninguém.
Mariane morava sozinha no Rio. Seus pais estavam no exterior. Sair naquele momento implicaria num risco desnecessário.
- Não demora Marcos, por favor. Não quero ficar aqui sozinha, estou com medo.
Pus a roupa, peguei minhas coisas e parti. Meu carro estava na garagem, os vidros filmados impediam a visão de quem olhava de fora, mas o cara era ex-cana, poderia muito bem saber tudo de minha vida. Onde eu morava, com que carro vagava por ai e etc..
Pois bem, passaram-se três dias e não retornei mais a casa de Mariane. Ela me ligou insistentemente e eu disse que poderia ficar despreocupada, Heleno não a incomodaria mais.
- Por que você está fazendo isso comigo seu escroto?
Mais de um mês se passou e Mariane desconfiada do sumiço do cretino fora atrás de informações, queria ter certeza do que falara para ela. O ex-tira era um cara solitário, não tinha amigos, não tinha família e nem filhos. Mariane ficou sabendo por um parceiro de Heleno que o cara havia viajado, ninguém sabia dele.
Foi quando a convidei para minha exposição. Minhas obras estavam prontas. Ela não quis ir, estava muito puta comigo, mas insisti dizendo que tinha uma surpresa. Mariane apareceu linda, se destacava entre os convidados. Suas feições ainda refletiam um pouco de receio e medo, desde aquele dia não conseguira mais dormir tranquila, andava sempre olhando para todos os lados. Num dado momento então a levei para conhecer todo o meu acervo. Minha grana vinha dessas obras que vendia para uma clientela rica da Zona Sul carioca. Lá no final da galeria estava uma das mais interessantes.
- Que troço de mau gosto. Estátua esquisita.
Por que usou concreto somente nessa se todas as outras esculturas são feitas de gesso?
Expliquei a ela que o concreto era o melhor material para não deixar exalar o cheiro.
Tico Sta Cruz
Um comentário:
rsrsrs, engraçado.. só podia ser
o Tico.
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