Quando ela percebeu a gasolina do carro já tinha acabado.A estrada estava vazia e escura àquela hora da madrugada.
Caía uma chuva fina. Ela estacionou no acostamento e ficou olhando as luzes de uma cidadezinha lá embaixo da escarpa, à beira-mar.
Ela não sabia o nome da cidade e ficou feliz por isso. Não havia ninguém na rua de paralelepípedos irregulares, só o silêncio rompido de vez em quando pelo som de uma onda quebrando na praia.
Ela pensou em saltar do carro, andar até algum lugar e pedir ajuda. Mas preferiu ficar ali, quieta, olhando a cidade fantasma na noite fria.
Não tivesse arremessado o celular pela janela dezenas de quilômetros antes, poderia ligar para alguém.
Não tivesse arremessado o celular pela janela dezenas de quilômetros antes, poderia ligar para alguém.
Mas ela não queria ser encontrada.
Tampouco imaginava o que seria de sua vida dali em diante. Mas estava feliz em poder ficar parada, quieta, olhando a cidade fantasma.
A garoa parecia um tecido fino envolvendo a cidade.
A garoa parecia um tecido fino envolvendo a cidade.
Ela lembrou do tule que cobre berços para proteger bebês dos insetos. É provável que àquela altura já tivessem dado por sua falta e estivessem procurando por ela. Causaria alguns transtornos, ela sabia. Mas no momento ficar ali parada era a única coisa a ser feita. Pensariam no pior, claro. Seqüestro, assalto, latrocínio, assassinato.
Imaginariam um maníaco sexual violentando-a. Depois cogitariam um amante, uma noite fogosa de sexo sem culpa. Ninguém pensaria em fuga.
Fugir de quê? Da vida confortável? Família, marido, filhos, amigos? Trabalho, tênis, compras, viagens? Telefone tocando, gente gritando, criança chorando? Televisão ligada, cachorro latindo, campainha tocando? Hora da aula, hora da missa, hora da massagem? Não era tudo tão bom e confortável? Um sonho barulhento de felicidade e harmonia? Agora ela sabia que não. Mas não tinha certeza de nada. Estava cansada de ter certezas.
Fugir de quê? Da vida confortável? Família, marido, filhos, amigos? Trabalho, tênis, compras, viagens? Telefone tocando, gente gritando, criança chorando? Televisão ligada, cachorro latindo, campainha tocando? Hora da aula, hora da missa, hora da massagem? Não era tudo tão bom e confortável? Um sonho barulhento de felicidade e harmonia? Agora ela sabia que não. Mas não tinha certeza de nada. Estava cansada de ter certezas.
Estava cansada de tudo. Só queria ficar ali, parada, olhando a cidade fantasma envolvida pela garoa.
(Tony Bellotto)
Um comentário:
Tony bellotto... gostei! :D
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